Integração e respeito <br>pelos imigrantes

Rui Fernandes

Em re­sul­tado do agra­va­mento da si­tu­ação eco­nó­mica e so­cial pro­vo­cado pelas po­lí­ticas de sub­missão às im­po­si­ções da troika es­tran­geira, entre 2010 e 2014 re­gistou-se, em média, uma des­cida anual de 2,74 por cento no nú­mero ofi­cial de imi­grantes, que em 2014 se si­tuava nos 395 195. Destes, 83,5 por cento fazem parte da po­pu­lação ac­tiva, sendo que 173 114 se si­tuam entre os 29 e os 39 anos e, deste grupo, 53 por cento são mu­lheres. Nos dis­tritos de Lisboa, Faro e Se­túbal estão 70 por cento dos imi­grantes.

Des­fa­zendo cam­pa­nhas ide­o­ló­gicas, mais ou menos sub-rep­tí­cias, para as quais imi­grante é si­nó­nimo de quem vive de sub­sí­dios, o con­tri­buto dos tra­ba­lha­dores imi­grantes para a Se­gu­rança So­cial foi, em 2013, de cerca 245 mi­lhões de euros. Im­porta su­bli­nhar que se está a falar de imi­gração e não de re­fu­gi­ados, cla­ri­fi­cando outra das mis­ti­fi­ca­ções não ino­centes muito em voga. Trata-se de re­a­li­dades com es­ta­tutos dis­tintos, sendo certo que há pro­blemas co­muns.

 

In­verter o rumo
– dig­ni­ficar

 

O PCP tem tido desde sempre uma ac­tiva e pro­po­si­tiva in­ter­venção sobre os pro­blemas que afectam os imi­grantes, com­ba­tendo as con­cep­ções res­tri­tivas e se­cu­ri­tá­rias. É no se­gui­mento desse pa­tri­mónio que o Grupo Par­la­mentar apre­sentou um pro­jecto-lei vi­sando a re­po­sição de li­mites à ex­pulsão de ci­da­dãos es­tran­geiros do ter­ri­tório na­ci­onal.

Con­forme é dito no preâm­bulo, a «al­te­ração le­gis­la­tiva ope­rada em 2012 pelo Go­verno PSD/​CDS, através da Lei n.º 29/​2012, de 9 de agosto, veio in­tro­duzir li­mi­ta­ções àquela dis­po­sição. Assim, pas­saram a poder ser ex­pulsos do ter­ri­tório na­ci­onal ci­da­dãos que es­tejam na­quelas con­di­ções, por ra­zões de aten­tado à se­gu­rança na­ci­onal ou à ordem pú­blica, ou ainda se a sua pre­sença ou ac­ti­vi­dades no País cons­ti­tuam ameaça aos in­te­resses ou à dig­ni­dade do Es­tado Por­tu­guês ou dos seus na­ci­o­nais ou se in­ter­fe­rirem de forma abu­siva no exer­cício de di­reitos de par­ti­ci­pação po­lí­tica re­ser­vados aos ci­da­dãos na­ci­o­nais».

Como é es­cla­re­cido nesse mesmo preâm­bulo, «qual­quer ci­dadão que co­meta um qual­quer ilí­cito em ter­ri­tório na­ci­onal deve ser pu­nido em con­for­mi­dade, com as penas pre­vistas na lei penal por­tu­guesa, in­cluído a pena aces­sória de ex­pulsão. Porém, não faz sen­tido que um ci­dadão nas­cido em Por­tugal ou que tenha tido em Por­tugal a sua for­mação desde cri­ança, ou que tenha fi­lhos me­nores em Por­tugal e que cá per­ma­neçam, possa ser ex­pulso para países com que não têm qual­quer li­gação, que não têm qual­quer res­pon­sa­bi­li­dade por even­tuais crimes que te­nham sido co­me­tidos, po­dendo deixar em Por­tugal fi­lhos me­nores que serão assim in­jus­ta­mente pe­na­li­zados».

Trata-se de uma ini­ci­a­tiva que pro­cura res­ponder a um pro­blema de gri­tante in­jus­tiça, ge­rada pelo go­verno PSD/​CDS-PP, que se­guiu as tó­nicas se­cu­ri­tá­rias que cam­peiam pela União Eu­ro­peia. Aliás, um re­cente ar­tigo co­lec­tivo, subs­crito por ma­gis­trados per­ten­centes ao MEDEL (Ma­gis­trados Eu­ro­peus pela De­mo­cracia e pelas Li­ber­dades) e pu­bli­cado no DN de 23/​5/​16, com o ti­tulo Por uma jus­tiça in­de­pen­dente na Eu­ropa, é re­fe­rido, entre ou­tros im­por­tantes as­pectos, que «a luta contra o ter­ro­rismo (…) tem le­vado à adoção de me­didas que co­locam em risco a li­ber­dade dos ci­da­dãos sem que sejam ca­pazes de re­solver o pro­blema de se­gu­rança».

Apesar das di­versas ini­ci­a­tivas do PCP ao longo do tempo, con­tinua por ra­ti­ficar por parte de Por­tugal a Con­venção In­ter­na­ci­onal para a Pro­tecção dos Di­reitos dos Tra­ba­lha­dores Mi­grantes e das suas Fa­mí­lias, apro­vada pela ONU em 1990. Este é, aliás, um bom exemplo da hi­po­crisia que per­passa pela União Eu­ro­peia, já que pura e sim­ples­mente ig­nora esta Con­venção. Com o cres­cente de­sem­prego e pre­ca­ri­e­dade nas re­la­ções de tra­balho, urge adoptar me­didas que ajustem o custo des­pen­dido com os pro­cessos de re­gu­la­ri­zação que podem, num agre­gado fa­mi­liar de quatro pes­soas, apro­ximar-se dos 1500 euros e, nal­guns casos, mais.

Estes são exem­plos que ilus­tram me­didas po­si­tivas para os di­reitos e a dig­ni­fi­cação dos imi­grantes, pelos quais o PCP há muito se bate. Evi­den­te­mente que o con­junto de ma­té­rias não se es­gota nisto. Bas­tará olhar para toda a área do tra­balho – dos abusos pa­tro­nais; dos casos de quase es­cra­va­tura que, de quando em vez, surgem à luz do dia; da fraca acção da Au­to­ri­dade para as Con­di­ções de Tra­balho, ela pró­pria de­pau­pe­rada com a po­lí­tica de des­truição dos ser­viços pú­blicos; de ho­rá­rios de tra­balho ina­cei­tá­veis e ainda mais ina­cei­tá­veis porque, em muitos casos, são horas não re­mu­ne­radas, etc.

É útil lem­brar que, tal como a Carta das Na­ções Unidas, também a nossa Cons­ti­tuição da Re­pú­blica, que este ano co­me­mora o seu 40.º ani­ver­sário, es­ta­be­lece que todos devem poder usu­fruir dos di­reitos hu­manos e das li­ber­dades fun­da­men­tais sem dis­tinção de cor, língua ou re­li­gião, para que todas as cri­anças, mu­lheres e ho­mens possam viver numa si­tu­ação de dig­ni­dade, igual­dade e paz.

 



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